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Aspectos processuais e penais do Jogo Baleia Azul (Blue Whale).

                   

             Não é de agora que os desafios nas redes sociais existem. Embora não tenham ainda levado de uma só vez um grande número de adolescentes, que são a maioria entre os participantes, ao fim trágico como o jogo da baleia azul, reacende discussões sobre a participação e acesso irrestrito de indivíduos cada vez mais jovens nas redes sociais (facebook, snapchat, instagram, entre outros) e sobre a impunidade dos aliciadores, criadores, e demais participantes que incitam e disseminam os jogos. Os aspectos penais e processuais, até então à margem de tais realidades, devem ser discutidos diante dessa nova realidade social e aplicados a fim de que seus criadores não fiquem impunes.

               Para analisar melhor o instituto, necessita-se de uma breve análise sobre seu surgimento e repercussão:

               Conhecido como “Blue Whale”, #F57, Baleia Azul, existem muitos questionamentos sobre a criação do nome, uma das teorias está associada a uma música composta por uma banda de rock denominada Lúmen, sua letra fala sobre uma grande baleia azul que não consegue romper a rede:

  “[...] Por que gritar, quando ninguém ouve, o que estamos dizendo?” 




               Já o jogo, teve como ponto de origem a Rússia, onde encontra-se associado a mais de 100 mortes, como no caso das adolescentes Y.K, de 15 anos, e V.V, de 16, que deixaram registrada em sua rede social a foto da baleia-azul e a palavra “fim de jogo”, ainda o jogo passou pela Ucrânia, Colombia, Chile, Estônia, Romênia, Cazaquistão, e hoje encontra-se relacionado com mortes e internações em mais de sete Estados brasileiros.
Informações veiculadas no Reino Unido e Irlanda, pelo “The Sun” dizem: [...] “o jogo começa inocentemente”, o que a priori demonstra a não percepção dos participantes ao que estará por vir/ocorrer. Uma vez que o mesmo é composto de 50 fases, sendo os últimos 10, os piores e mais difíceis.

                 A medida que os desafios se desenrolam os seus curadores ou mestres (como são denominados), instruem os participantes a realizarem tarefas de autoflagelo e perigosas, como subir em telhados, ou que possam influenciar ou perturbar de algum modo sua psique, como assistir filmes sinistros os quais envolvem temas como exorcismo, possessão dentre outros, e até mesmo acordar em horários noturnos incomuns. Não bastando ainda, os participantes só podem avançar de fase, após filmarem e postarem tais ações. Chegando, pois, ao último desafio (n.50), o mestre, defini como e onde os jogadores devem tirar sua própria vida a fim de “ganhar" o jogo. Aos que percebem, o perigo do jogo e tentam sair, passam a sofrer coação psicológica frente a possibilidade de terem algum de seus familiares mortos pelos curadores do jogo ou outro determinado por eles.

             Este não é o único jogo que tem atraído adolescentes e que tem ceifado vidas ou deixado algum dano psicológico em seus participantes ou até mesmo para as suas famílias. 


             Além disso vários destes jogos são claramente criminosos. Um exemplo disto, é o “Choking Game” onde G.R.T, de 13 anos foi encontrado em seu quarto com uma corda enrolada em seu pescoço, em frente ao computador, e que mesmo socorrido veio a óbito.



        Outro exemplo, e que ainda perdura é o “desafio da canela”, segundo New York Times, entre 2009 e 2012 o número de acessos a ferramenta de pesquisa Google por este tópico saltou de 200.000 mil para 2,4 milhões. Atualmente o número de vídeos postados no Youtube, por sua maioria adolescentes chega a 40.000. Apesar da canela ser uma especiaria muito utilizada, a aparentar não trazer riscos, a ingestão de grandes quantidades pode impedir a produção de saliva na boca e garganta, e comprometer a produção de líquidos necessários para a lubrificação do pulmão, tornando mais difícil a respiração.  Tais atividades decorrem da composição química da canela que a tornam hidrofóbica, fazendo com que ela aja como um selante, impedindo a produção ou permanência de água no local onde ela entra em contato. O indivíduo mais jovem que morreu em decorrência do desafio tinha apenas 4 anos de idade.
 Esses são exemplos de jogos que mataram e matam até hoje, e embora não tenham tido cobertura midiática como foi dado recentemente ao desafio da baleia-azul, também levaram e levam, mesmo que em eventos sazonais ao mesmo fim trágico, os adolescentes, que deles participam.

            O Blue Whale têm atraído um número cada vez maior de adolescentes, e trazido consequências relevantes não só de cunho social mas também jurídicas neste celeuma, algumas questões surgem: Qual seria o crime imputado aos curadores e aliciadores dos adolescentes que os incentivam a participar do jogo? Quais aspectos processuais e penais norteiam e são juridicamente relevantes para encontrar, punir e coibir as práticas desses “grupos da morte”? Quais as medidas adotas no Brasil?
 
Vejamos agora a análise dos aspectos penais e processuais:
Segundo Rogério Sanches, o art. 122 do Cp seria o tipo que se enquadraria para o crime, extraído do Código Penal Brasileiro:

CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940
Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Parágrafo único - A pena é duplicada:
I - se o crime é praticado por motivo egoístico;
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.


Conceito jurídico de suícidio:
Para compreender melhor o instituto estudado faz-se necessário o conceito de suicídio inserido neste tipo: O suicídio, seria a vontade voluntária e direta de causar a  própria morte, é a vontade consciente de querer despedir-se da vida, e esta conduta é atualmente atípica no Código Penal Brasileiro por ser impossível a aplicação da pena, mesmo no modo tentado , segundo Nelson Hungria(2):


              “As legislação penais modernas, à exceção da Common law inglesa, não incriminam os            suicídio, e a razão é evidente: do ponto de vista repressivo, não se pode cuidar de pena contra um cadáver; do ponto de vista preventivo, seria inútil a ameaça de pena contra quem já não sente, sequer, o instintivo medo da morte”. 


               No Brasil segundo o princípio da alteridade ou transcendentalidade não permitem que o desejo subjetivo de se despedir da vida seja punido, já que este não passa da esfera individual do autor, segundo CAPEZ (2012):


  [...] “o fato típico pressupõe um comportamento humano que ultrapasse a esfera a indidual.” 

            Ou seja, não pune-se apenas pela conduta não ser aceita na sociedade, por ser considerada pecaminosa, a conduta precisa também alcançar e prejudicar terceiros, portanto o suicidio pode até ser considerado imoral, porém, não é ato anjurídico.

            Assim, a conduta objeto deste artigo não é o suicídio, mas sim, o crime tipificado no art. 122 do Código Penal Braseileiro, participação em suicídio, isto posto demonstra a inteligência do legislador em buscar meios para punir a conduta daquele que incita ou que presta auxílio material ao suicída, trazendo no tipo os verbos, induzir, instigar ou prestar auxílio, no que tange os aspectos morais os verbos induzir e instigar, e nos aspectos materiais o prestar auxílio, sendo esta ultima a prestação direta do auxílio, não admitindo-se o modo indireto de auxílio.

          No jogo, grupo da morte, observa-se faltar um dos elementos do suicídio, a volutariedade, pois ao adolescente, participante do jogo que tenta abandoná-lo é prontamente ameaçado, tornando-se impossível a sua caracterização, porém, se enquadraria no induzimento se ao final o autor conseguisse convencer a vítima que a melhor solução é o suícidio e a vítima voluntariamente ceifasse sua própria vida, é fundamental entender que no verbo induzir a ideia inicial do suicídio não nasce do suicida, mas sim de quem o induziu.

         Além do que, o crime elencado no art 122 do CPB, não seria possível contra o menor de 14 anos, pois segundo analogia ao art. 224 do CPB, a menoridade seria a idade compreendida entre 14 e 18 anos, então, logo se chega a conclusão de que a vítima menor de 14 anos não tem a capacidade para se permitir tirar a própria vida, faltando-lhe a capacidade de autodeterminação, e que está totalmente sob responsabilidade e cuidado de seus pais. Restando assim analisar que ao cessar esta capacidade de compreensão, o algoz age utilizando a incapacidade do menor inimputável, cometendo portando o autor o crime de homicídio tipificado no art 121 caput. Visto que a incapacidade seria o objeto e o instrumento nas mãos do criminoso. Ainda no tipo penal do art. 121 analisa-se que, assim como configura-se o motivo egoístico como veremos a seguir, poderia-se afirmar a natureza torpe do homicídio incidindo na qualificadora do art 121, §2,II, motivo torpe, onde as razões que levam o autor do crime a cometê-lo, seria para satisfazer desejos pessoais, de reproduzir na vítima seus sofrimentos, para obter satisfação pessoal, entre outros, evidenciam a torpeza do crime e são correlatas às do motivo egoístico.

         No caso do crime ser cometido contra vítimas menores de 14 aos 18 o criminoso responderá pelo crime 122, pú,II, e onde a pena será dobrada. Ainda, se a vítima tiver a vontade de parar com o jogo, e o agente obriga a vítima a continuar seria imputado ao autor o art. 122pú,I, por motivo egoístico, onde estaria motivado a obter vantagens pessoais, estas não precisam ser apenas de caráter pecuniário, ou patrimonial, mas caracterizam-se também por satisfazer anseios e desejos subjetivos, o quais poderiam ser a satisfação em saber que a vítima está passando por extremo sofrimento.
Vejamos o posicionamento doutrinário de Edgard Magalhães Noronha e de Paul Logoz quanto ao motivo egoístico:

"[…] O egocentrismo é a ratio essendi da qualificadora. Esta toma corpo sempre que o sujeito ativo der maior relevância ou valor a qualquer interesse pessoal em detrimento da sorte e dos interesses da vítima. Egoísmo, define Magalhães Noronha, é o excessivo amor ao interesse próprio, sem consideração pelos outros. Como ainda destaca Paul Logoz, o motivo egoísta não é necessariamente a cupidez ou o desejo de lucro, mas também o ódio, o desejo de vingar-se, a maldade etc.”

            Caberia ainda a análise do tipo penal a seguir, contra incapazes menores de 14 anos:
           O art 129, lesão corporal, nos casos em que a vítima não conseguiu efetivamente retirar sua própria vida há uma clara configuração da lesão psicológica, segundo Rogério Sanches Cunha:


[…] “O objeto jurídico do crime em questão é a incolumidade pessoal do indíviduo, protegendo-o na sua saúde corporal, fisiológica e mental (atividade intelectiva, volitiva ou sentimental)”. Ainda, segundo explica Aníbal Bruno, [...] “o bem jurídico protegido é a incolumidade da pessoa na ua realidade corporal-anímica, como fonte e suporte da vida e de todas as implicações individuais e sociais que esta comporta”.



              Ou seja, a lesão psicológica deixada pelas etapas as quais a vítima é submetida, é evidente aos que não chegaram ao fim trágico de atentarem contra a própria vida, pois, ao passarem um tempo hábil a lhes causar dano realizando tarefas de automutilação, e de assitir a filmes que causam grandes transtornos em sua psique, temoriza a vítima, além do que como ilustrado na recente matéria do jornal the sun, os adminsitradores do jogo (Grupo da morte) estudam a vítima antes de convidá-la, pois desta forma, conseguem introduzir na vítima a sensação de que estão no controle de suas vidas:

[…] "Sabemos com certeza que os adultos estão trabalhando com crianças, com a ajuda do conhecimento de seus hábitos e paixões, usando sua língua e cultura favoritas” ainda "Eles conhecem bem a psicologia, convencem as meninas de que são "gordas ", dizem aos rapazes que são" perdedores "neste mundo” (Traduzido de Jornal Novaya Gazeta – 2016).

 Portanto, é certa a intenção, a vontade de causar um dano psicológico, além do que promover a morte.
Nesta análise observa-se que ao conseguir sair do jogo,  o adolescente já sofreu muitos danos, no caso dos incapazes é mais clara a visão de que nem possui capacidade para saber ao certo ou entender o caráter do seu ato, além de estarem mais propensos a seguir comportamentos que estão sendo realizados por seus colegas apenas para querer fazer parte da sociedade, de um grupo, ou de não serem excluídos. Neste contexto evidencia Cezar Roberto Bitencourt que:


“ Se um inimputável, menor, ébrio ou por qualquer razão incapaz de querer, por determinação de outrem, praticar em si mesmo uma lesão, quem o conduziu a autolesão responderá pelo crime, na condição de autor mediato”.


          Ora, automutilação mesmo que por vontade do adolescente, ensejaria até mesmo na condenação dos próprios pais por uma violação ao seu dever objetivo de cuidado, por certo então, concluir que a autolesão (instituto atualmente atípico) não tem razão de existir neste caso, restando assim, configurado o artigo 129 §1º do código penal brasileiro de natureza grave conforme decisão da  justiça de São Paulo no processo 0038488-38.2011.8.26.0002  que admitiu a possibilidade do parquet aceitar a denúncia ou a configuração trazida no próprio art. 122 infini, respondendo os administradores, curadores ou “mestres” pelo crime.

Evidenciando a clara posição doutrinária contida em nosso país, enumera Bento de Faria:

 “O dano ao corpo ocorre quando a lesão determina qualquer prejuízo à integridade do conjunto orgânico da pessoa. Dano à saúde é a desordem causada às atividades psíquicas ou ao funcionamento regular do organismo”. 

Daí determinar-se o tempo de tratamento que cada vítima estará sujeita, ficará a critério dos especialistas, determinar se haverá até mesmo tratamento do mau causado, configurando em uma infermidade incurável, se futuramente tornarão a trazer perigo de vida a estes adolescentes que enraizaram em si o desejo da morte, quantas patologias e sintomas desenvolverão, ou se poderão refletir o mau causado? Todos as 50 tarefas vão minando a identidade de cada vítima, e para tal afirmativa necessita-se de perícia psíquica, que é de difícil auferição, mas realizada e auferida, resta clara à ofensa a saúde psicológica e seu caráter violento.

 Da Competência para julgamento:
          O crime embora praticado pela internet, e mesmo que seus curadores ou administradores do grupo da morte residam em outro país, não teria caráter transnacional, sendo a competência de julgar os crimes da justiça estudual comum conforme , o que enseja a aplicação do 109, V, CF. Recentemente houve determinação do ministro do ministério da justiça, Osmar Serraglio, determinando que a polícia federal (PF) investigasse o crime por conta dos apelos dos prefeitos das cidades acometidas pelo crime, porém, embora a investigação esteja sendo feita pela PF, o crime ainda continuará tendo caráter Estadual para julgamento. Também é importante ressaltar que o jogo não é cibernético, o computador, a internet são apenas o meio pelo qual o jogo é transmitido, portanto, superada esta visão não há que se falar em crime cometido pela internet, mas sim através dela.

Espero ter sido clara, e ter esclarecido alguns dos principais pontos deste recente fato que ainda está presente na nossa sociedade.


Até o próximo post!
Abraços.


Comentários

  1. Muito pertinentes e esclarecedoras as observações. Parabéns pelo post!

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  2. O Poder familiar deixou de existir, tendo em vista que foi substituído pela tecnologia. As relações interpessoais entre pais e filhos subsistem nessa sociedade, e hoje põe fim a vida de muitos jovens. Parabéns pelo post.

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